Iniciada a segunda quinzena de novembro, o ano de 2020 está na reta final. Durante todos os meses deste ano é certo que um assunto esteve sempre em alta: a pandemia do Covid-19 e a crise financeira.
A situação da economia afetou todos os setores, uma vez que o isolamento social comprometeu diretamente a possibilidade de geração de renda dos empregados e também dos empregadores. E, em que pesem as inúmeras tentativas conciliatórias de renegociação, o endividamento e a inadimplência foram inevitáveis para grande parte dos brasileiros.
A inclusão do nome de inadimplentes nos cadastros de proteção ao crédito, como o Serasa e o SPC, chegou até a ser discutida no Projeto de Lei 675/20, no qual havia proposta de suspensão da possibilidade de negativação do nome de novos devedores por um determinado período enquanto permanecesse a condição de calamidade pública decorrente da pandemia do Covid-19. Porém, esta parte do texto foi vetada pelo Presidente da República e não prosseguiu.
Ocorre que, mesmo antes de todo este cenário crítico, em janeiro de 2020, foi divulgada pesquisa feita pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) de que 48% dos brasileiros, praticamente metade dos consumidores, ficou com o “nome sujo” nos últimos 12 meses.
Ou seja, a discussão sobre a negativação do nome é, infelizmente, uma constante no país.
Em âmbito jurídico, é importante ficar atento quando a inclusão do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito pode gerar dano moral a ser indenizado. Há diversas demandas neste sentido.
De acordo com o artigo 43, §2°, do Código de Defesa do Consumidor: “A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.”.
Assim, antes de realizar a inscrição do nome do consumidor o órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito deverá comunicar o devedor. (Súmula 359, do STJ: “Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição.”)
A ausência desta prévia notificação ao consumidor acarreta indenização por danos morais a ser paga pelos órgãos mantenedores dos cadastro. Além disso, a inscrição indevida em cadastros de inadimplementos por algum outro erro também é capaz de gerar dano moral a ser indenizado. Porém, como adiantado acima, a situação crítica da economia demonstra que grande parte dos brasileiros já possui alguma inscrição, ou seja, o “nome sujo”, antes mesmo de receber uma nova inscrição.
Nesta situação, pergunta-se: Se o consumidor já possui uma inscrição preexistente e recebe nova anotação, mas esta última sem notificação prévia pelo Serasa ou por alguma outra razão indevida, ele terá direito a indenização por danos morais?
Nos termos da Súmula 385, do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.
Ou seja, a resposta é não, tendo ele direito apenas de solicitar o cancelamento da segunda inscrição que fora feita sem prévia comunicação. Isso decorre do entendimento de que a pessoa que já possuía uma inscrição negativa não teria sofrido dano à sua imagem e honra com a nova inscrição.
Apesar disso, o STJ flexibilizou a orientação contida na súmula para o fim de permitir o reconhecimento de dano moral mesmo com a existência inscrição preexistente.
A Terceira Turma do STJ aplicou esse entendimento em caso no qual o consumidor alegava que as outras negativações existentes em seu nome também eram indevidas e estavam sendo questionadas através de ações judiciais (REsp 1.704.002, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 11/02/2020 – divulgado em Informativo de jurisprudência 665).No caso, discutiu-se a necessidade de haver ou não o trânsito em julgado da ação que questiona as inscrições indevidas anteriores.
Em conclusão, ficou decidido que até a decisão judicial definitiva (trânsito em julgado) deve ser presumida como legítima a negativação do nome. Assim, em regra, essa presunção de legitimidade não pode ser afastada pela simples afirmação pelo consumidor de que há ação judicial questionando a inscrição anteriores. Porém, será admitida a flexibilização da Súmula 385 para reconhecer a existência de dano moral, mesmo sem ter havido o trânsito em julgado, quando na ação judicial questionadora houver elementos suficientes para demonstrar a verossimilhança das alegações do consumidor.
O desfecho do caso pela Corte demonstra que a flexibilização de alguns entendimentos é, por vezes, necessária para garantir uma decisão mais adequada ao caso concreto. Porém, é inegável que a segurança jurídica dos aplicadores do direito e dos cidadãos pode ficar um pouco prejudicada caso haja flexibilização de entendimentos e de normas de modo excessivo, bem como pela subjetividade que pode permear o conceito de “verossimilhança das alegações”.[1]
[1] Notícia STJ em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Dano-moral-por-inclusao-indevida-em-cadastro-restritivo-e-possivel-mesmo-com-inscricao-preexistente.aspx
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